17 Abril 2024
A pesquisa do Google da maneira como conhecemos e até mesmo a própria internet, talvez estejam com os dias contados, e podemos estar acompanhando de camarote o início do fim.
Pare para pensar: você também tem tido a impressão de que as pesquisas no Google estão com resultados cada vez piores e o que você procura está cada vez mais difícil de achar?
Essa sua experiência não é individual. Eu já perdi as contas de quantas vezes algum amigo já comentou sobre como não consegue achar mais nada no Google e como as informações estão cada vez mais escondidas.
As reclamações se acumulam e variam entre a quantidade de anúncios exibidos como resultados – “ocupam metade da página” – e a quantidade de sites que repetem as mesmas informações entre si, mas que acabam na grande maioria das vezes não entregando o que está sendo buscado.
Os culpados nós sabemos quem são – ou pelo menos, temos uma ideia. E como estamos aqui para dar nomes aos bois, vamos eleger pelo menos três: o SEO, as inteligências artificiais (IAs) e o próprio Google. Mas vamos por partes.
O que é o SEO e como ele funciona
SEO (Search Engine Optimization – em português, otimização para os mecanismos de buscas) pode ser definido como um conjunto de técnicas de ranqueamento que procura melhorar o posicionamento de sites em motores de busca como Google, Bing e afins.
Mas apesar da definição, o SEO existe há muito tempo. Na verdade, desde o início da internet que existem pessoas focadas na tentativa de manipular pesquisas – e desde esse mesmo início que existem pessoas condenando quem faz isso, declarando o fim da utilidade dela.
Nos princípios da rede, o ranqueamento de páginas funcionava de uma forma diferente. Os mecanismos de busca da época listavam as páginas apenas em razão de quantas vezes um determinado termo aparecia no site e em suas tags.
Então, o que os profissionais de SEO da época faziam? Eles enchiam seus sites com palavras-chave e reenviavam suas URLs para os mecanismos de busca, esperando um melhor ranqueamento. Assim, obtinham mais cliques e, consequentemente, mais dinheiro.
Mas como você pode imaginar, esse comportamento piorou muito a qualidade dos resultados na época, e usuários, assim como pesquisadores, reclamavam de como essas atitudes estavam degradando e inutilizando os mecanismos de buscas.
Estão percebendo o início de um ciclo?
Google: da ascensão a “queda”
Foi nesse cenário que surgiu o Google. No final da década de 90, a empresa entrou em cena e mudou completamente o jogo, mudando a forma de ranqueamento dos sites.
A partir dali os sites seriam ranqueados baseado na quantidade de links que vinham de outros sites, vendo cada link como um “voto a mais de confiança” para o domínio, atestando a qualidade do conteúdo.
Mas como você já deve imaginar, o óbvio aconteceu. Quem trabalhava com SEO na época logo tratou de se adaptar e um mercado secundário de links nasceu. Firmas nas Filipinas e na Índia geravam milhares de links de redes de blog para os sites, burlando o ranqueamento criado.
Então, se estabeleceu uma verdadeira luta de gato e rato que está presente até hoje. O Google lança atualizações para a busca, tentando solucionar os problemas de ranqueamento, e alguns profissionais de SEO tentam achar o próximo buraco do algoritmo, exercendo influência nas pesquisas e, consequentemente, ganhando mais dinheiro.
Mas antes que nos ataquem, ressaltamos que essa não é uma generalização dos profissionais de SEO, mas sim uma fotografia das “más práticas” de alguns deles.
Reconhecemos que boa parte dos profissionais se responsabilizam por aumentar a velocidade de carregamento das páginas e rescrever textos, produzindo conteúdo seguindo as diretrizes do Google; o que significa – em alguns casos – nem pensar nele.
Afinal, o Google busca sites para humanos lerem, não máquinas. Mas não podemos deixar de lado de que muita gente é apenas scammer, aplicando técnicas de ranqueamento que acabam com a facilidade da busca.
A queda pode nunca existir
Nesse ringue de combate, o Google se afirmou como referência máxima em pesquisa na internet e destronou dezenas de concorrentes ao longo da sua existência. Então, afirmar que o mecanismo de busca da empresa vai acabar pode ser um exagero.
Veja, o Google hoje figura entre uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, liderando algumas frentes de mercado, e a própria história joga a favor da companhia.
Afinal, crises e alarmismos sobre o fim das buscas na web, com o Google, inclusive, não é uma exclusividade dos dias de hoje – como já deixamos claro.
Há quem afirme, até mesmo, que os resultados de busca são atualmente os melhores que a empresa já ofereceu, uma vez que uma possível curadoria por parte do algoritmo esteja refinando os resultados a fim de evitar a propagação de notícias falsas.
A ferramenta tem levado em consideração outros fatores que não apenas a popularidade das páginas. De alguma forma, autoridade, confiabilidade, experiência e conhecimento estão sendo medidos pelo algoritmo da busca, principalmente em tópicos relacionados a aconselhamento jurídico, de saúde e financeiro – e isso tem impactado diretamente nos resultados que você vê.
Mas isso também pode contribuir para o problema. Afinal, esses resultados podem endossar apenas uma visão institucional e apagar o debate sobre outros temas. Os atuais resultados curados por inteligência artificial que aparecem no topo da busca, inclusive, podem ser o reforço a essa autoridade institucional.
No final das contas, as informações controladas por uma empresa privada sempre estarão subordinadas aos objetivos financeiros dessa mesma empresa.
O próprio Google como problema
E essa visão, de alguma forma, pode ser reforçada pelo comportamento da própria companhia. Afinal, não é incomum realizar uma busca no Google e os primeiros resultados serem links patrocinados e vídeos do YouTube – que também é do Google e vê seu faturamento crescer a cada propaganda exibida.
Mas preciso esclarecer: não sou contra o Google ganhar dinheiro. O problema, em meu ponto de vista, é a alta dose desses links patrocinados e o oferecimento talvez exagerado (e único) de vídeos da sua própria plataforma.
Querendo ou não, essas tomadas de ação dificultam o ato de encontrar resultados relevantes e orgânicos. E a oferta exclusiva do YouTube poderia encaixar a empresa em uma tentativa de oligopólio – mas esse não é o assunto para agora.
O problema das IAs
Mas enquanto o Google pode dosar a quantidade das propagandas e ser regulado de alguma forma para exibir resultados de outras plataformas de vídeo, ele não pode controlar as inteligências artificias.
Apesar da empresa ser uma das grandes investidoras e pesquisadoras dentro desse campo, as IAs são um grande problema para a busca.
Veja o cenário: antes, para que alguém caçando cliques pudesse ranquear bem a sua página na busca, era preciso gerar dezenas ou até centenas de páginas com algum conteúdo. Esse conteúdo teria que ser escrito do zero com algum conhecimento para fazer uma boa sopa de palavras ou, na pior hipótese, ser copiado de uma fonte.
Hoje, com as inteligências, qualquer pessoa pode copiar apenas o título de um artigo e pedir que o ChatGPT escreva um novo texto com o mesmo tema e com uma determinada quantidade de palavras. Depois seria necessário apenas jogar esse texto online e, com algum conhecimento de SEO, ranquear bem a página.
Percebeu o problema? Com alguma automação, isso poderia poluir centenas ou até milhares de resultados de pesquisa, com conteúdos gerados unicamente por inteligência artificial; o que garante zero assertividade e dificulta a busca.
“Mas outras inteligências já conseguem identificar conteúdo escrito por IA”.
Essa é uma afirmação relativamente comum, mas não necessariamente correta. Você já tentou entregar um texto escrito por você ao ChatGPT e perguntou se aquele texto foi gerado por IA? Ele provavelmente responderá que sim hahaha.
Tirando a brincadeira de lado, por mais que as ferramentas capazes de identificar evoluam, as que escrevem também estão em processo constante de evolução, e isso por si só torna o processo dúbio e, inevitavelmente, dificulta o trabalho do Google.
Mas é claro que tudo isso poderia ser mitigado pela tentativa atual da companhia de definir autoridade, confiabilidade e conhecimento a páginas e artigos, mas sob essa luz, nós voltamos para um problema já conhecido: a “falta de resultados” e a ausência da apresentação de várias faces de um mesmo problema pela necessidade de definir uma visão institucional.
A necessidade de uma reinvenção
Tudo isso coloca o Google sob a necessidade de uma reinvenção. Afinal, nada adianta eu ou a própria empresa afirmarmos que os resultados de busca estão melhores se, na prática, as pessoas não sentem dessa forma.
Na realidade, essa necessidade é mais bem colocada pela mudança de hábitos observada da geração atual. A geração Z, que corresponde aos nascidos entre 1997 e 2010, por exemplo, já não vê mais o Google como a principal fonte de busca.
Eles optam por procurar no TikTok – principalmente no que tange reviews de produtos e experiências. Afirmam que é mais difícil de encontrar conteúdos feito puramente por inteligência artificial postados apenas para enrolar o expectador e reforçam que os resultados apresentados parecem ser mais legítimos.
Para quem insiste no Google, independente da idade, o comportamento mais recorrente tem sido o retorno aos fóruns e redes sociais. Pela baixa confiança nos conteúdos oferecidos pelas páginas do topo da busca, muitos têm procurado por comentários escritos por humanos que abordaram o mesmo problema ou que já passaram por uma situação semelhante. Com isso, buscas com “termo + Reddit", por exemplo, estão cada vez mais comuns.
O futuro
Para se manter relevante, o Google precisa encontrar uma maneira eficaz de combater resultados com conteúdo gerado por IA e impulsionado por SEO ao mesmo tempo em que reafirma o seu compromisso de fornecer resultados plurais e relativamente neutros. E isso tudo, sem destruir o seu próprio modelo de negócio.
Mas a verdade é que não há soluções fáceis para problemas difíceis.
Apesar de a história beneficiar a companhia, ela também joga por outros lados, então talvez estejamos prestes a ver o surgimento de um grande expoente que irá destronar o Google no seu próprio negócio – assim como fez a empresa com seus concorrentes no final dos anos 90.
Porém, não podemos dizer que o Google irá esperar de braços cruzados.
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